Roselis Von Sass: “Vidente da Luz” ou hábil escritora de romances?

dezembro 28, 2012

Os seguidores da “Ordem do Graal na Terra” consideram a escritora acima, já falecida, uma representante inconteste da “Luz”, proveniente “de regiões acima da origem do espírito humano”, merecedora, portanto, do mais alto crédito. Todos os seus escritos, desta forma, são tidos como “revelações do Alto”, estando assim acima da dúvida e do erro…

Entretanto, fatos são fatos, e não podem ser levianamente empurrados para debaixo do tapete… Pois sempre, um dia, a “sujeira” aparece…

Roselis Von Sass não é infalível em suas revelações subjetivas sobre a história do suposto passado espiritual da humanidade. As diversas edições de seus livros descortinam a quem desejar a irrefutabilidade desta afirmação.

Pois “a prerrogativa da faculdade de pensar leva o ser humano também ao dever de analisar!” , assim como afirmava o próprio Oskar Bernhardt (“Abdruschin”), em “Erros”.

Segue abaixo um exemplo cabal e contundente.

Duas são suas versões sobre a história Inca descortinada pela autora. Na primeira, estes não passam de criaturas idólatras, degeneradas espiritualmente. Posteriormente, esta versão dos fatos, constante da segunda edição do “Livro do Juízo Final”, foi sumariamente eliminada das edições posteriores, em prol da nova versão, completamente diferente, tendo os Incas agora permanecido “fieis à Luz” até os seus derradeiros dias, conforme podemos observar no livro “A Verdade Sobre os Incas”…

Observem – fato por si só extremamente revelador – que a autora escreve a versão primeira da história inca com a mesma vivacidade e detalhismo utilizada no livro “A verdade sobre os incas”, seguindo a trama o enredo básico da maioria de seus livros: Um grupo de seres humanos “ligados à Luz” e vivendo em harmonia com a natureza e seus “enteais” se deixa desviar por idólatras e suas “devassas imorais” . Estes, em sua campanha de sexo e idolatria libidinosa, jogam em desgraça e na escuridão espiritual o pobre povo desvirtuado, restando apenas “um pequeno grupo” candidato à salvação, o qual ficará no aguardo da “tão esperada e profetizada” mensagem do futuro enviado da Luz, o “Filho do Homem”…

 O fenômeno religioso que se formou em torno da Mensagem do Graal e de seu autor talvez seja mesmo único no mundo, pois a falta de um contexto incontroverso que servisse como pano de fundo para dar vivacidade e sustentação à figura mítica do Filho do Homem (que nada mais é do que a incorporação cavalheiresca e religiosa do “super-homem” idealizado por Nietzsche) não representou na verdade qualquer empecilho.

 Pois simplesmente toda a história religiosa do mundo foi  arbitrariamente reescrita, a fim de corroborar  e dar sustentação à saga auto-criada do filho do homem, incorporado, é claro, em Oskar Bernhardt.

 Assim, Buddha, Lao-Tse, Maomé, Krishna, Moisés, bem como todas as demais personalidades famosas do passado serviam agora, de um momento para o outro, para dar testemunho e validação à saga do Graal, anunciando tonitruantemente a encarnação de Oskar Bernhardt, o “filho do homem”, o “juiz do mundo”.

 Este mesmo, o autor, deu início à esta estranha e surreal tendência, que não pode ser descrita adequadamente, senão como uma auto-anunciação, ao descrever em seu livro, na terceira pessoa, o belo e encantador quadro de sua própria natividade, dando a partida para a reestruturação de toda a história humana que se efetivou na “literatura colateral” do graal, representada pelos livros designados oportunamente como “recebidos por inspiração especial” e, aqui no Brasil, pelos livros de Roselis Von Sass.

Não são nada mais que pós-profecias, redigidas posteriormente ao fatos que serviriam de sustentação. Este é o propósito de todos estes romances, sendo o livro “A vida de Abdruschin”, nesse sentido, um clássico insuperável. Sua autoria, ainda que “incerta” fica, a um escrutínio impiedoso, bastante evidente.

 A auto-crítica dos adeptos fora destes espoliada em definitivo por infindáveis profecias (ameaças) apocalípticas, que previam a condenação espiritual de todos os infiéis e titubeantes (aqueles que ousassem argumentar de forma contrária à corrente de pensamento dos adeptos). O questionamento de tais “verdades” era, para os adeptos da religião de Oskar Bernhardt, o selo irremediável da condenação espiritual daquele que duvidava.

 Por isso os adeptos sequer se preocuparam em averiguar individualmente os fatos das histórias que lhes foram apresentados.

 Se,por exemplo, a versão da história de Buddha comumente conhecida fosse completamente diferente daquela constante da literatura do graal, então, naturalmente, era porque fora corrompida pelos séculos em virtude da ação dos “asseclas de Lúcifer”, que nada mais objetivavam senão a destruição da humanidade (e de suas próprias existências, é claro, pois como poderiam estes esperar sobreviver àquela, em uma guerra contra o próprio criador do universo?).

Sua versão da história era, assim, estanque à realidade adjacente. Prescindia dessa forma, de qualquer corroboração ou validação. Pesquisar era apenas a prova e o testemunho da infidelidade do adepto.

 A maioria esmagadora dos adeptos, por isso, sequer é capaz de se aproximar destas palavras, pois não seriam capazes de sustentar suas “convicções” com argumentação sólida, sendo neste caso a “intuição” (não seria ao menos mais honesto chama-la de crença cega?) do adepto, sempre,  a sua palavra final.

 Reproduzo abaixo o trecho suprimido do “Livro do Juízo Final”, 2ª edição, 1976, Capítulo XX, “Da Atuação dos Grandes e Pequenos Enteais da Natureza! – Segunda Parte.”. Sub-capítulo com o nome “A Degeneração dos Incas”, páginas 272, 273, 274, 275 e 276:

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A Degeneração dos Incas

Não, os servos de Lúcifer não dormiam. Por toda a parte estendiam suas redes, nas quais os seres humanos de raciocínio ficaram presos.

Também os poderosos incas, maias, astecas etc. Não constituíam nenhuma exceção…

A história marca o início da cultura incaica por volta de 1.200 antes de Cristo. Essa data, como tantas outras de tradições históricas, não corresponde à verdade.

Pode-se dizer que a decadência dos incas manifestou-se terrenamente três mil anos a.C., época em que os mais fortes servos de Lúcifer deram início a sua obra. Primeiramente, alguns sacerdotes incas, mediúnicos, e virgens do sol ouviram a notícia do novo deus e de sua nova doutrina. Esse deus anunciou o poder do amor e denominou-se regente do gênero humano!…

Os incas eram um dos povos mais antigos da Terra que possuíam um elevado saber espiritual. Todavia, com o decorrer do tempo tornaram-se espiritualmente tão indolentes, que não perceberam o mal infiltrar-se sorrateiramente, envenenando suas vidas…

Vagarosamente, por toda a parte a mentira substituía a verdade. A influência luciferiana fazia-se sentir, mais forte em cada nova geração. Ao chegar o ano 1.200 a.C., nada mais restava da grandeza espiritual de outrora… Terrenamente, o império dos incas era poderoso e extenso, pois abrangia o Peru, Bolívia, Equador e uma parte do Chile e da Argentina de hoje. Apesar disso, desde essa época, o império dos incas era mantido pelo terror. Os povos subjugados, saturados da escravidão, provocavam constantemente rebeliões. Tais revoltas eram suprimidas com combates sangrentos. Todos os trabalhos demorados e pesados eram executados por escravos. Trabalhavam nas minas de cobre, de estanho e de prata; construíam estradas e aquedutos que passavam por montanhas e vales, e faziam derrubadas de árvores gigantescas para utilizar a madeira nas construções e muito mais ainda…Havia muitos artistas entre os povos escravizados: ourives, escultores, entalhadores, lapidadores de pedras preciosas, etc…

A escravatura já nos revela como se encontrava o povo inca que outrora ocupara posição tão elevada!…

Antes de sua decadência, os incas eram extraordinários agricultores, arquitetos e astrônomos! Os povos enteais eram seus mestres enquanto tinham confiança neles…

Todos esses processos de desenvolvimento realizavam-se naquelas épocas muito mais lentamente do que é hoje. A pressa e o afoitamento eram desconhecidos. Havia tempo de sobra para cada um. Portanto, havia tempo para examinar e raciocinar a fim de diferenciar o falso, do legítimo.

Esses relatos, porém, não constituem uma biografia do povo inca. Muitos livros poderiam ser escritos sobre a verdadeira e antiga história dos incas, bem como de outros povos, que aqui são mencionados apenas por ser necessário à finalidade deste livro!

Os incas veneravam durante longo tempo o sol, pois este era para eles o reflexo do Amor Onipotente de Deus que reinava no supremo, inalcançável e eterno céu, acima de todos os sóis… Comparavam as irradiações do sol com os braços carinhosos de uma mãe que envolvia a Terra com todas as suas criaturas, aquecendo e nutrindo-as… Por tal motivo denominavam freqüentemente o sol de “grande mãe”! Contudo, os incas, enquanto mantinham ligação com os mundos enteálicos, sabiam que todos os astros solares eram governados por enteais masculinos. Várias vezes, principalmente as mulheres incas, viam nos raios solares do sol nascente, a grande e maravilhosa Astarte, a corporificação enteal da Pureza, que pairava sobre as águas. Em tempos idos, Astarte aparecia freqüentemente às mulheres terrenas. Ela fortalecia e estimulava a pura fidelidade à Luz em seus espíritos, fidelidade essa que é a suprema virtude da feminilidade na Criação…

Toda a natureza era sagrada para os incas. Conheciam e amavam os entes que viviam nas flores, nas árvores e nas águas, e denominavam-nos de “senhor e senhora”. As minúsculas Fadinhas das flores eram para eles as senhoras das flores; as Ondinas, as senhoras das águas e assim por diante…

 Em cada Templo do Sol era celebrado o astro rei como reflexo do Amor de Deus e a Grande Mãe (Astarte), como protetora das mulheres… Havia sacerdotes do sol e virgens do sol… Todas as moças incas enquanto não se uniam a um homem, eram virgens do sol. Para essa finalidade eram cuidadosamente instruídas. Aprendiam a cantar, a fazer poesias e a tocar algum instrumento musical. Também o passo rítmico das danças das flores que constituíam em todas as solenidades dos templos, o ponto culminante, tinham que ensaiar. Conjuntamente, era-lhes ensinado tecer, trançar, retorcer o fio e tingir a lã ou outras fibras…

As tapeçarias que as moças teciam para as paredes dos Templos do Sol, eram preciosas obras de arte que levavam anos para serem executadas. Esses tapetes davam a impressão de que milhares de coloridas e brilhantes penas circulavam em volta de um sol amarelo dourado. Em todas as paredes dos templos pendiam esses maravilhosos tecidos. Da mesma forma, os mantos dos reis dos incas que originalmente também mantinham o encargo de supremo sacerdote, apresentavam o mesmo bordado que as tapeçarias. Só muito mais tarde, quando foi introduzida a idolatria, é que algumas virgens do sol tiveram a idéia de confeccioná-los com legítimas penas de pássaros, a fim de torná-los ainda mais brilhantes… Assim teve início uma matança de pássaros como jamais ocorrera… Os enteais na medida que lhes foi possível, tocavam os pássaros para longe. Contudo, os astutos seres humanos, apesar disso, perseguiam-nos até apanhá-los, pois os pássaros serviriam para uma finalidade sagrada, já que suas penas ornamentariam templos e reis!…

O fogo também era sagrado para os incas, como reflexo do sol. Em todas as solenidades do astro rei os sacerdotes acendiam fogueiras consideradas sagradas, nas quais empregavam lenhas de aroma especial. As fogueiras eram feitas à direita e à esquerda da entrada do templo. Em suas preleções os sacerdotes nunca se esqueciam de mostrar a profunda significação do fogo. Diziam, por exemplo:

“O amor puro e brilhante nascendo nos corações dos seres humanos, é a chama do sagrado fogo do templo que se eleva para o céu, transformando-se em maravilhosa flor nos invisíveis Jardins Celestes…” Afirmavam ainda que “essas flores possuíam tanta intensidade de luz que iluminariam os caminhos até os Jardins Celestes para aqueles que deixavam a Terra após a morte….”

Os incas tinham muitas parábolas significativas que se referiam à vida terrena e à vinda do Além.  Possuíam diretrizes espirituais e  podiam contar com o auxílio dos povos enteais em todas as circunstâncias de suas vidas. No entanto, enredaram-se nas teias de Lúcifer…

Quase imperceptivelmente, a substância hostil à Luz infiltrava-se nas almas dos sacerdotes, dos reis incas e das virgens do sol,  e finalmente, não só o povo inca, mas também outros povos que estavam em contato com eles, foram contaminados… A mentira triunfara… A corrupção rastejante da moral transformara assustadoramente o povo inca, outrora tão pacífico.

Os sacerdotes incaicos introduziram a idolatria e comunicaram que muitos enteais da natureza eram demônios, ocasionando sérios malefícios às criaturas humanas… Os inúmeros acidentes, doenças e revoltas deviam ser considerados exclusivamente como conseqüências das forças demoníacas… Contudo, os demônios podiam ser acalmados mediante sacrifícios, preces e flagelações…

Depois dessa comunicação os Templos do Sol, em determinadas épocas, transformavam-se em verdadeiros matadouros. Foram escolhidos, aos milhares, uma espécie de veados mansos, de cor branco-acizentada, para serem oferecidos em sacrifício. Enquanto o sangue dos animais, muitas vezes ainda com vida, escorria das feridas abertas, no altar de sacrifício, os sacerdotes entoavam um canto que mais se assemelhava ao uivo de lobos. Concomitantemente, uma multidão de pessoas acotovelava-se até o altar de sacrifícios para umedecer as pontas dos dedos no sagrado sangue daqueles animais…

“Pois o sangue era a melhor proteção contra os demônios”, ensinavam os sacerdotes…

Havia outra comemoração denominada “festa da remissão”, na qual multidões de mulheres e homens deixavam-se mortificar nos pátios isolados dos templos. As flagelações eram geralmente aplicadas por sacerdotes que, com prazer sádico, açoitavam com feixes e varas as costas vergadas. Quando eles se cansavam, os homens e as mulheres mortificavam-se mutuamente até que a pele sangrasse, pois somente o sangue purificaria os sere humanos de seus pecados…

Nesse ínterim, os sacerdotes realizavam entre si cerimônias noturnas e secretas, nas quais jovens, em geral moças, eram sacrificadas. Esse rito, até o sei término, era feito exclusivamente em segredo, em  contraste com os ritos dos astecas…

Também a vida dos reis incas modificou-se desde que uma mediúnica virgem do sol, por ordem de um poderoso deus, anunciara que cada rei inca, bem como seus filhos, seriam de origem Divina. Todos eles foram tomados por uma espécie de megalomania. Aconselhados pelos sacerdotes, usavam máscaras quando apareciam ao povo, a fim de que o aspecto de suas fisionomias Divinas não perturbasse os seres humanos…

Os “divinos reis” eram também senhores e donos das virgens do sol. Elas estavam subordinadas ao seu “divino poder”, portanto, podiam fazer com elas o que bem entendessem. Ao mesmo tempo, essas jovens eram propriedade dos sacerdotes, os quais, como representantes dos “deuses” na Terra, tinham igualmente direito sobre elas…

Junto às virgens do sol, isto é, nas casas dos sacerdotes, viviam também “meninos-deuses”. Tratava-se de meninos que seriam iniciados no sacerdócio… As virgens do sol, as quais somente usavam o nome, pois não exerciam o encargo relacionado com essa designação, eram iguais a todas as outras sacerdotisas de Baal, somente prostitutas, com a única diferença que os respectivos sacerdotes alcovitavam as “consagradas virgens do sol”…

Durante os últimos séculos, antes que o conquistador penetrasse no Peru e mandasse executar o rei dos incas “Atahualpa”, inventaram tantos ídolos e demônios que eram adorados e temidos de tal maneira, que não é possível descrever aqui… Por toda a parte verificava-se o mesmo quadro. Quanto mais profundamente se penetra nos inúmeros cultos de ídolos, tanto mais se verifica a degeneração da raça humana… Naturalmente, houve entre todos os povos, e assim também entre os incas, pessoas que não se deixaram envenenar pelos servidores de Lúcifer; contudo, sempre foram poucas!

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Como era de se esperar, não foi oferecida qualquer satisfação aos leitores (ou mesmo aos seguidores da entidade responsável pela publicação de tais livros) a respeito dos motivos desta radical mudança de perspectiva.

Mas o mutismo, ainda que fale por si só, é totalmente dispensável aqui. Os fatos aqui apresentados são suficientes para descortinar a natureza mutável, imprecisa e inconstante das supostas “revelações espirituais” da autora. Estamos diante de uma escritora de romances fantásticos, e não, é claro, de uma vidente irrefutável.

Os livros de Roselis Von Sass são sistematicamente revisados e adaptados à conveniência e oportunidade editorial, inexistindo compromisso com a autenticidade do que fora originalmente escrito, assim como se deveria esperar de uma vidente que pleiteia para seus escritos a qualidade de “revelação da Luz”, e que anuncia em sua literatura, de forma bombástica e peremptória, o apocalipse e a condenação espiritual da humanidade. Rastros de imprecisões em seus vaticínios e visões do passado, por isso, não são admissíveis, sendo sumariamente eliminados em edições posteriores, a fim de que seu prestígio como vidente não seja maculado pela ceticismo de seus leitores em face de seus equívocos e do não cumprimento literal de suas profecias assustadoras.

A história Inca, é claro, não tem nada a ver com nenhuma das duas versões da autora, coisa que evidentemente seus leitores jamais se preocuparam em averiguar, uma vez que aceitaram confiantemente a “Revelação do Alto” que lhes fora presenteada pela autora…

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 E seria mesmo razoável acreditar em óvulos animais sendo paridos de uma terra-útero primordial (!), não tendo os animais coerentemente evoluído em complexidade das mais primitivas formas unicelulares do planeta, mas sim, prontos, envoltos em fibras protetoras, as quais seriam indestrutíveis, resistentes indefinidamente não só ao tempo, mas também aos cataclismos da natureza, onde lava, inundação e movimentos geológicos esmagadores não surtiam qualquer efeito, assim como descortinado no livro “O Nascimento da Terra”?

 Mais ainda: Se, de acordo com as imutáveis Leis Naturais, Cristo não poderia descer da cruz sem ajuda alheia e sem auxílio de matéria grosseira (ou seja, sem que outro ser humano dali o tirasse, como bem o vemos explicitado na própria Mensagem do Graal!), como então poderia uma pirâmide de milhões de toneladas ser erguida por forças elementais invisíveis?! Sim, pois seria isso então que o ser humano comum testemunharia: blocos descomunais de rocha sendo talhados e cortados por mãos e ferramentas invisíveis, flutuando misticamente por quilômetros, até serem encaixados no local definitivo da construção!

Assim, realmente, vemos que os limites entre o que é possível e o que é impossível, parecem mesmo poder ser elasticamente estendidos de maneira infinita, ao gosto do freguês, bastando para tanto apenas algumas “sabias” explicações, as quais, se bem contextualizadas dentro de um sistema de crença, parecerão mesmo à “intuição” coisa lógica e razoável, plenamente justificáveis e compreensíveis…

 O ser humano que discorre com ares sabedores a seus semelhantes sobre a imutabilidade das Leis perfeitas da natureza emanadas de seu Deus, dando-as como explicação para a impossibilidade da existência dos milagres de Cristo e para o perdão dos pecados através da crucificação deste, peca gravemente contra o desenrolar de sua lógica incorruptível e de fundamentos perfeitos, quando defende, através da simples crença, tal forma de construção para a Grande Pirâmide, uma vez que tais distintas visões são inconciliáveis! Pois se considerarmos tal modo de construção da pirâmide como coisa crível, então devemos considerar possível também o caminhar sobre as águas e outros tantos milagres sabidamente irreais! Pois para isso bastaria um simples auxílio da “entealidade”, auxílio esse, comparativamente, bem mais fácil de ser implementado do que a construção de uma obra de tal magnitude!

Os mais crédulos agora afirmariam que a explicação se encontra no próprio livro da pirâmide, como se as descrições ali contidas fossem minimamente suficientes para uma real explicação/compreensão. Diriam que só com o raciocínio não poderíamos compreender… Que, portanto, a não aceitação de tais “brilhantes e coerentes” explicações se daria apenas por conta de uma “incapacidade” decorrente da impossibilidade de “crer” e de “intuir” o processo fabulosamente “elucidado”, devido a um cérebro atrofiado, afetado por uma espiritualidade ressequida…

Se algo parece, ao senso comum, impossível de ser implementado por mão humana, então isso não nos autoriza comodamente a acreditar que de fato o seja!

Ao que parece, a lógica do raciocinar lúcido só se aplica quando em favor de nossas crenças “sagradas” e de nossas explicações “coerentes e evidentes”… Quando esta mesma lógica parece querer lançar retroativamente pedras em nossos caminhos, então tratamos isso apenas como uma “insuflação herética das trevas”, sendo então o raciocínio declarado, de um momento para o outro, maligno; “insuficiente” para uma “real aproximação da Verdade”. Aí falta, evidentemente, lucidez e maturidade.

Falo agora sobre aquilo que de mais grave é encontrado na literatura de Roselis Von Sass…

Comentando uma execução praticada contra um “idólatra”, no livro sobre a Grande Pirâmide, encontramos uma “explicação” para tal proceder:

“Eram consideradas criminosas aquelas pessoas que divulgavam doutrinas falsas, criando cultos e ídolos. Portanto, pessoas que atuavam contra as leis de Deus, pecando com isso contra o espírito… Contra o espírito da Verdade!… Suas doutrinas e afirmações mentirosas tinham, pois, apenas a finalidade de separar eternamente os seres humanos da Verdade e de sua pátria espiritual.”…

 “Tais criaturas também não foram condenadas por sua própria causa. Mas sim, apenas para preservar os outros de uma “contaminação”. Contaminação, pois as almas do todos aqueles que pecavam contra o espírito da Verdade ficam maculadas por uma doença contagiosa e incurável.”

“Na época da presente história os julgamentos sempre eram justos, pois estavam em harmonia com as leis da Criação.”

  Outra conclusão não posso chegar senão que, em uma sociedade “adequada” e em “harmonia” com a verdade pleiteada pela autora, fossem dados plenos poderes a ela ou àqueles que tomam suas declarações como verdades absolutas e incontestes, novamente seria instaurada a inquisição, desta vez  mais “justa” e “humana”, uma vez que os pavorosos processos e torturas seriam então substituídos por execuções sumárias (!), certamente, muito mais adequadas aos os seres humanos alinhados à Vontade de Deus e à Verdade!

O tamanho da barbárie acima defendida não encontra parâmetro nem mesmo no alcorão, o qual ousa “justificar” atos extremos apenas indiretamente, e com sensibilidade bem mais aguçada… Pois se uma sentença desta repousasse magnanimamente nos versos do profeta, não restaria mais um infiel nesta terra, e Abdruschin simplesmente não poderia sequer ter escrito sua obra, pois teria sido sumariamente assassinado, tendo ele que se conformar plenamente com a “justiça” deste ato, pois quem ousasse duvidar ou apenas acreditar em algo diferente das Palavras de Deus proferidas pelo profeta, esse também, certamente, estaria a espalhar doutrinas e afirmações malsãs e mentirosas. E tal contaminação, inadmissível, apenas a morte poderia remediar…

A imperfeição não é conjectural, mas parte indissociável da condição humana. Nenhum conhecimento ou saber concede ao ser humano a posse da Verdade no nível em que esta o habilitaria legitimamente a dispor sobre a vida alheia, uma vez que a Verdade integral repousa apenas no transcendente; no “divinal”. O ser humano não nasceu com direito às certezas e verdades absolutas, pois apenas “Deus” é realmente incapaz de cometer erros. Pouco importa, aí, portanto, a origem ou a altitude espiritual a que um ser humano pretenda reconhecer em si mesmo, ou da força que queira atribuir às suas supostas ligações espirituais, uma vez que não existem, nem jamais existiram, seres humanos plenipotenciários de Deus…

Sábios não são aqueles que se admiram de seu saber, mas apenas aqueles que pressentem, através do pouco que possuem, as reais dimensões de sua descomunal insignificância e de sua conseqüente cavalar ignorância… Cientes dela, jamais lhes ocorreria a estapafúrdia idéia de privarem um ser humano de sua vida, uma vez a legítima humildade os impossibilitaria se reconhecerem infalíveis… Pois se agissem de tal forma, se rebaixariam ao nível dos cultos sanguinolentos fanáticos, os quais também privavam os seres humanos de seu livre arbítrio e de seus corpos, estes sim, atos reprováveis, condenáveis e combatíveis, claro, com armas outras que não a igual violência…

Não há nem nunca houve, portanto, justificativa para reprimir com a morte as crenças alheias. Justificar execuções, em qualquer tempo, é atividade de fanáticos e loucos…

Mas o ser humano possui sensibilidade apenas para ataques às suas próprias crenças preciosas e frágeis… Por isso ele é capaz apenas de enxergar a violência e a insensibilidade nas palavras daqueles que se atrevem a expor os desvarios de tais absurdos, revoltando-se quando a lucidez e a lógica não mais podem lhes fazer companhia na defesa de suas “convicções inabaláveis”.

Sociedades espiritualizadas jamais se assemelharão aos regimes fascistas e totalitários, os quais também querem se pretender legitimados em suas atitudes arbitrárias e violentas, impondo aos demais seus credos e convicções incontestes! Os seres humanos se encantam com as formas das sagas do passado, fantasticamente descortinadas aos seus espíritos “enlevados”, e se esquecem totalmente de refletir sobre o conteúdo das idéias quês são sedutoramente vendidas, assim acatando e sendo conviventes com pensamentos verdadeiramente criminosos e injustificáveis.

 O próprio autor da Mensagem do graal, Abdruschin, admite ser o solo humano demasiadamente desigual, coisa que sempre permanecerá desta forma, por não ser possível se conseguir – por causa do livre arbítrio – um amadurecimento humano uniforme, devendo ser esperado, portanto, tanto no passado quanto no futuro, grandes diferenças nos amadurecimentos espirituais, respeitando-se em qualquer caso, as liberdades individuais, uma vez que o livre arbítrio jamais lhes deverá ser tirado (“Seres humanos ideais).

Evidentemente, diferentes níveis de amadurecimento espiritual farão surgir, inevitavelmente, diferentes formas de reconhecer o universo e a vida, sendo por isso impossível evitar o surgimento de um sem numero de crenças e religiões, todas elas representações fiéis não de “Deus”, mas do “solo” humano em que brotaram…

Supõe-se dessa forma que os espíritos luminosos realmente evoluídos e mais desenvolvidos, cientes disso, em qualquer tempo, respeitarão e reconhecerão as crenças alheias também como formas mais ou menos evoluídas de cultuar o Sagrado, e, portanto, não atentarão contra as mesmas e seus seguidores. Ao contrário, esperarão serena e pacientemente que os demais seres humanos voluntariamente caminhem em sua direção, se assim o desejarem, uma vez que ele mesmo estará ainda mais consciente que os demais de que, em verdade, também ele nada sabe sobre a verdadeira grandiosidade do Transcendente e de Sua Luz.

 Portanto, jamais houve na humanidade, em tempo algum, consenso uniforme sobre a verdade a justificar atos de barbárie sanguinolenta sobre as crenças alheias… Não é necessário ser vidente, mago ou “convocado” para se chegar a tais conclusões. Solapar todas estas considerações inerentes às grandes diferenciações entre os seres humanos, limitando tais coisas apenas ao dualismo “verdade x mentira”, como o fez a autora, traduz um posicionamento frágil e verdadeiramente artificial, o qual caminha lado a lado com o fanatismo e a presunção…

Esquece-se a autora destes fatos e desvendamentos, alçando vôo livre em suas idéias e visões, crendo serem tais esclarecimentos dispensáveis ou contornáveis, por acreditar que os fracos e estagnados espíritos humanos, imaturos e indolentes, devem mesmo é ser obrigados à concordância e assimilação das verdades absolutas anunciadas pelos “elevados emissários de Deus”, os quais, sem maiores dificuldades, seriam reconhecidos como tais por todos (!), imaturos e desenvolvidos, não existindo, portanto, escusa para a insubordinação às suas verdades evidentes e bondosas.

Morte então aos dissidentes, como ato de misericórdia e benevolência a estes. Continuassem na terra, então pior seria para eles. Como não sabem mesmo o que é melhor para suas existências, que outros mais esclarecidos disponham sobre estas. Nada mais natural e justo em uma sociedade nobre, ideal e “esclarecida”… Talvez tenha sido esta a alegação de Hitler para o extermínio de milhões de judeus, uma vez que estes, “malévolos”, insistiam em divulgar a sua versão dos fatos para a história de Jesus Cristo, negando sua divindade… Visto por este lado então, seguindo esta perspectiva tortuosa, ele nada mais teria feito do que um “bem” à humanidade, livrando-a de tais “desviados”…

Por idêntico caminho seguem as considerações apresentadas pela autora a respeito da utilização de seres humanos ditos “irrecuperáveis” como cobaias de laboratório, no lugar dos indefesos e aviltados animais. Acaso o grito de tais seres humanos seriam menos lancinantes do que o dos animais aos quais seriam postos em substituição? Seria a crueldade assim praticada, menor? Quanta insana irresponsabilidade e fanatismo não há em tal declaração? São os seres humanos que a aceitam espiritualizados e despertos? Ou são simples e irrefletidos fanáticos, embriagados em sua presunção de saber? Explora-se a credulidade e o desejo de vingança dos seres humanos, indignados com as práticas desumanas dirigidas aos animais, e estes tomam por legítima a repetição de tais crueldades agora nos próprios seres humanos… Se existirem de fato seres humanos irrecuperáveis, não será outro ser humano a apontá-los e identificá-los como tais. Justificativas pseudo-espirituais para novas câmaras de horrores são apenas idealizações de pensamentos fanáticos alimentados em seu mais alto grau.

O Livro do Juízo Final, tampouco é benevolente com os portadores da chamada “Síndrome de Down”… Segundo a autora, não passam de “adoradores de Lúcifer” (!) que, desligados em definitivo da luz divina, não são mais capazes de uma existência plenamente consciente. A autora não quer nem saber se tais seres humanos possuem a mesma  capacidade de qualquer outro ser humano de amar e de expressar tantos outros nobres sentimentos, demonstrando assim sensibilidade impar com tais seres humanos e seus familiares… Fosse conhecido do grande público este livro, certamente a Justiça ou o  Ministério Público já teriam impedido sua publicação por grave ofensa social no respeito às diferenças… Por sorte da editora, este não é o caso…

Racismo também pode ser vislumbrado (na verdade está mesmo “escancarado”) em sua literatura… Os trechos abaixo destacados, de novo, são um prato cheio para o Ministério Público…

“Os negros são uma raça dotada de vibração espiritual mais lenta ou, melhor dizendo, de uma vibração espiritual inteiramente diferente da dos brancos. Estão na matéria grosseira, intimamente ligados à terra, embora essa vibração mais lenta não constitua propriamente para eles um defeito, uma vez que é mesmo uma característica da raça. Sobre a raça branca, contudo, essa vibração lenta exerce uma influência de afrouxamento e  de inibição. Pela miscigenação das duas raças eram atraídos para a encarnação terrena em sua maior parte, seres humanos espiritualmente adormecidos, que vinham levar na Terra uma vida de ociosidade e de cansaço.” (Em “O Problema do Negro no Brasil”, do Livro “Fios do Destino Determinam a Vida Humana, 2ª edição) (O texto segue tentando “dourar a pílula”, amenizando  por explicações  bastante controversas a gravidade do que foi dito inicialmente… Mas o estrago, evidentemente, já fora feito, não é mesmo?)

“Apesar da cor escura da pele, os rostos dos adultos e das crianças eram bem proporcionados…” (Em “O Nascimento da Terra, 2ª edição.)

A raça branca, por sua vez, é por diversas vezes enaltecida (ainda que seja objeto de “crítica espiritual”) através de controversas e subjetivas explicações “espirituais”, ocorrendo isso ao longo de toda a “literatura do graal”, e não apenas nos livros de Roselis Von Sass.

“A raça branca, que aliás devia ter atuado como exemplo para todas as demais raças, guiando-as espiritualmente, é hoje aquela cujo baixo nível espiritual mal pode ser superado. A causa desta situação é a decadência moral da mulher branca!” (“O livro do Juízo Final”, pág. 166)

“Muitos índios de outrora conseguiram encarnar-se como brancos, hoje, graças ao padre Anchieta, que consagrou toda a sua vida à elevação das tribos indígenas…” (Fios do Destino Determinam a Vida Humana”)

Os absurdos não se esgotam aqui, mas o que foi explicitado é mais do que suficiente para quem quer que tenha um pouco de sensibilidade  (e alguma coisa funcional conectada ao final de seu nervo óptico) compreender o potencial lesivo dos escritos da autora à  coletividade, ainda que seus adeptos enxerguem nela a figura de uma profetiza da Luz da mais alta graduação.

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